Muito além das relações e comportamentos de consumo
Onipresentes. Seria o adjetivo mais descritivo para qualificarmos as mídias sociais. É impraticável e virtualmente inconcebível a realização das mais prosaicas atividades quotidianas que de uma forma ou outra não prescinda do uso voluntário ou coagido das mídias sociais.
Por um lado, muito valorizamos a conveniência, o conforto e a praticidade que as tecnologias digitais nos fornecem, instrumentalizadas em plataformas de serviços públicos ou privados e de mídias sociais. Fenômeno tecno-social que teve sua intensificação a partir da segunda década do século XXI, se manifesta ubiquamente de tal forma, que permeia vasta gama das ações individuais e coletivas.
As Big Techs, proprietárias das principais e mais populares mídias terminam acumulando imenso poder com base nos dados de fácil coleta, fornecidos alegre e prodigamente por nós em troca daquela tal conveniência.
Mesmo quando críticos perante os riscos e perigos que tal poder representa para nossas liberdades e privacidade individuais, nos deparamos com uma impotência decorrente da necessidade de muitos desses serviços, seja para comunicação, seja para acesso, seja para ferramental de trabalho, estudos ou negócios, é quase que impossível abrir mão do uso dessas tecnologias.
Ou por pressão social ou por pressão de não ficar à margem da evolução tecnológica ou por pressão forçada para acessar certo tipo de serviços. Em troca de nossos dados, recebemos “acesso” ao usufruto de tais redes, sem nem sequer questionarmos que somos, quando não os fornecedores, no mínimo, o produto em si.
Conhecimento é poder. E esse poder, no caso das empresas de tecnologia, decorre do uso inteligente dos dados, que a partir de estratégias cada vez mais pervasivas de segmentação, temos a percepção de serem personalizadas em um nível de singularidade tal que muitas vezes nos espanta.
Nesse nefasto cenário, não podemos nos furtar de sermos críticos sobre o assunto e além de nos mantermos vigilantes para melhor controlar nossos dados, devemos, como entes morais, disseminar entre nossos iguais tais práticas, ou pelo menos a plantação de sementes de desconforto perante esse sinistro panóptico foucaultiano.
Muitos perigos podem ser elencados sobre o uso e abuso dos poderes decorrentes dessas onipresentes e oniscientes tecnologias: desde violação da privacidade, mediante a coleta de dados pessoais sem o real e efetivo consentimento dos usuários, manipulação, não só dos comportamentos, como por exemplo os de consumo, mas também de pensamentos, opiniões e sentimentos, que impactam em nossas visões de mundo e até nos posicionamentos políticos, éticos e estéticos, numa abordagem de práxis humana “à la sociedade Orwelliana”.
Perceba-se que tais preocupações vão além das meras questões mercadológicas de incitação ao consumo e nos afetam indistintamente a todos, no cerne, no foro íntimo, como indivíduos e como sociedade, o que exige de nós permanente estado de alerta consciente e de práticas coerentes com tal estado de espírito sob pena de sermos subjugados involuntariamente por essa não tão nova forma de servidão humana.
À guisa de conclusão, oportunamente nos apropriamos das palavras do Nobel colombiano Garcia Marquez, na sua obra “O General em seu Labirinto”: “No son los sistemas sino sus excesos los que deshumanizan la historia”.
Leave a Reply